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O Carnaval e nossos medos: onde se esconde a verdadeira beleza?

21/02/24

Não foi preciso um grama de glitter para um carnaval animado e cheio de assunto. Começamos com o desabafo de Julia Roberts depois de postar uma foto de um momento cotidiano com a sobrinha. “Terrível”, “Nem a reconheço”, disse o tribunal da internet, decretando que a atriz não está envelhecendo bem. “Sou uma mulher de 50 anos, sei quem sou, e ainda assim me senti magoada. E se eu tivesse 15 anos?”, questionou Julia. E eu me pergunto quantos anos têm essas pessoas ávidas por destruir um momento de afeto (e todos os que vierem).

Dias antes, a apresentadora e atriz Fernanda Paes Leme confessou que, grávida, sente que foi colocada na geladeira por algumas marcas que sempre se interessaram em sua imagem de mulherão. Parece que é impossível ser uma mulher bonita e sensual, ao mesmo tempo em que se gesta um filho. Melhor nem pensar que, concomitantemente, envelhecemos. Melhor dizendo, parece que é impossível ser mulher, ponto. Se ainda não for, a inquisição virtual trata de impossibilitar.

Mal sabem os críticos que uma mulher em plena menopausa pode estar vivendo a melhor fase da vida. Não só é possível como é normal, para Paula Bergamin, ter 62 anos, três filhos e cinco netos, estar apaixonada e comemorar uma década como rainha da bateria. É possível ser Viviane Araújo, ter 48 anos e enfrentar o etarismo que tenta a qualquer custo colocar a sua idade no lugar da sua identidade. É possível (e um sucesso) ser linda, segura de si e feliz como Jojo Todynho. É possível não gabaritar nada disso e ainda assim se sentir feliz e plena. Como também é natural comemorar mais um ano de vida sem jogar fora todas as idades anteriores, como nos lembrou Jennifer Aniston ao soprar 55 velinhas em pleno Carnaval. A sabedoria é fazer de cada aniversário uma celebração do conjunto da obra.

E por falar em obra, a síntese perfeita para essa fartura de adjetivos e conceitos é Paolla Oliveira. Depois de semanas batalhando para enfrentar, não a academia, mas as críticas, a atriz acumulou os cargos de madrinha de bateria e porta-bandeira da autoestima. Colocou e tirou a máscara de onça tão bem quanto se despiu de medos e críticas, exibindo um corpo deliciosamente fora do padrão. Quebrou a internet e foi rainha de verdade (ou da verdade), sorrindo majestosa, ainda que rodeada de amigas da onça. E mostrou que, a despeito das contradições externas, cabe muita coerência e alegria nessa alma e nesse corpo que causam inveja, na mesma proporção com que suscitam críticas.

Agora imagine se, a cada voltinha pela rua ou pelas redes sociais, nossos pensamentos sem censura sobre cada um que passasse diante dos nossos olhos fossem imediatamente convertidos em comentários no perfil daquela pessoa nas redes. Absurdo? É o que vivemos hoje. Basta ler meia dúzia de comentários em um post interessante para nos intoxicarmos daquilo que qualquer filtro mais ou menos ajuizado impediria de virar palavra dita — que dirá escrita.

Envelhecer é verbo para todos (até para os que têm pavor da ideia). Amadurecer, só para quem decide e tem coragem. 

Uma ou duas décadas atrás, lidávamos com a imagem das figuras públicas, mas não administrávamos, cada um de nós, nossas próprias holografias nas redes. Parece que estamos jogando um videogame em que somos os personagens. Confundimos uma olhadinha no espelho com a direção de arte de um filme candidato ao Oscar. Não diferenciamos maquiagem de Photoshop, beleza de juventude, autocuidado de negação. Não reservamos nem um milímetro de espaço para o sofrimento, a dúvida, o erro, a distração, a espontaneidade. E depois compramos cursos para tentar aprender a ser de verdade.

As imagens que aparecem todos os dias nas redes são uma representação precária de nós mesmos, não a vida real. Demos vida própria aos nossos avatares e nos desconectamos da realidade. Numa espécie de desumanização coletiva, passamos a acreditar que o virtual nos protege a identidade como o vidro do carro supostamente nos esconde no trânsito. Num torpor de anonimato, vomitamos pensamentos em forma de comentários, sem escrúpulos. E as consequências, elas sim, são de verdade.

Este não é mais um texto sobre padrão. É um texto sobre a obscenidade de expor, não os corpos, sarados ou não, mas as mentes obcecadas pelo corpo e pela imagem do outro (ou melhor, da outra). Mentes que se negam a aceitar o envelhecimento como parte do jogo e aterrorizadas por verbos humanos como padecer e perecer.

O Carnaval é festa pagã assumida. Mas a quarta-feira de cinzas sempre chega. Hora de questionar o pecado do julgamento, do palpite infeliz, do comentário destruidor de quem morre de medo de encarar o espelho e seus efeitos nocivos (e em dominó).

O que é belo, afinal? Onde mora a verdadeira beleza?

Depois de ver passar tantas fantasias e carros alegóricos, tive um sonho que me deixou pensativa. Eu ajudava uma amiga da minha mãe, uma mulher entre 70 e 80 anos, a se sentar melhor na cadeira e enxergar a tela do celular. Acordei com uma sensação estranha. O envelhecimento que hoje está em curso, digamos, com mais ênfase, é o meu próprio. Investiguei meus medos relacionados ao envelhecimento e compreendi que a maior parte deles não tem a ver com a estética, mas com a possibilidade de perder minha autonomia. Depois veio o medo da solidão, de não ter recursos para envelhecer bem ou de alguma perda cognitiva que me impeça de trabalhar.

Envelhecer não é uma ideia romântica nem fácil, embora seja importante lembrar que é um privilégio. Minha mãe não teve a mesma sorte da amiga, nos deixou aos 55, a idade que Jennifer Aniston comemorou no Carnaval. Mas mirar o envelhecimento (ou a morte precoce) dos meus pais como referência não corresponde à realidade atual.

Parte do que tememos no envelhecimento tem mais a ver com a ideia que fazemos dele, que tem base em gerações passadas. O atual panorama da longevidade é diferente e isso é uma ótima notícia. E pouco se fala sobre o que melhora e o que se apura no envelhecimento. Mas algumas coisas não vão mudar só porque temos avanços tecnológicos e sociais, inclusive um olhar mais moderno sobre o passar do tempo. Continuamos seguindo, todos nós, em direção a uma inevitável vulnerabilidade que dificilmente será uma ideia animadora. E é importante falar sobre isso.

Parece que estamos jogando um videogame com nossos hologramas. Confundimos maquiagem com Photoshop, beleza com juventude, autocuidado com negação.

Envelhecer é verbo para todos (até para os que têm pavor da ideia). Amadurecer, só para os que têm coragem. E amadurecer passa por compreender que o bom envelhecimento não é perseguir a juventude a qualquer custo. É compreender que estamos em constante transformação. Não se trata de abandonar o corpo à sua própria sorte, mas sim de acolhê-lo com suas marcas e novas necessidades. E fazer o melhor com ele à medida que o tempo passa. O melhor possível.

Envelhecer é, inevitavelmente, vulnerabilizar-se. E negar esse curso das coisas é se entregar a outro tipo de deterioração, o da mente. Uma mente ativa e saudável tem a capacidade de se tornar melhor e mais apurada com o tempo. E até o que ela esquece é mais curadoria do que perda em si. Tem coisa que a gente não precisa lembrar mesmo.

Há uma metáfora linda, que aprendi com o Osho, sobre a semente e a flor. A semente, para quebrar sua casca e se tornar uma planta, enfrenta muitos perigos, empreende esforços consideráveis. E enfim cresce — caule, folhas, folhagem. É preciso paciência, tempo de espera, chuva, vento. E, se tiver sorte, finalmente flor. E o que é a flor senão o auge da beleza — e da vulnerabilidade?

Volto a perguntar: onde se esconde o que é realmente belo na vida?

Caminhamos todos para a vulnerabilidade. E, pelo que já observei do plano, o auge da vulnerabilidade provavelmente coincide com o auge da sabedoria. Aquele momento em que olhamos e vemos o que realmente importa (está aí a vista cansada para nos ajuda a desfocar o dispensável). O auge da vulnerabilidade é também o foco mais preciso nas coisas fundamentais, aquelas que importam quando fazemos uma rápida revisão dos melhores momentos, antes do último suspiro. Como vivemos a vida? Que afetos construímos, como os tratamos, como nos relacionamos com eles? Amamos o bastante? Expressamos esse amor? Soubemos agradecer? O que fizemos por nós mesmas? Aprendemos a pedir ajuda?

Quanto nos humanizamos?

Sim, os meus medos desfilaram no Carnaval. Os seus também. Mas a quarta-feira de cinzas chegou e a realidade também. Hora de lembrar que somos humanos. Todos e todas. Até a Paolla Oliveira.

“De perto é mais difícil odiar o outro. Aproxime-se”. O conselho de Brené Brown no livro “A coragem de ser você mesmo” é tudo o que eu preciso dizer pra encerrar esse texto. Não se esqueça de se aproximar também de quem está do outro lado do espelho.

Cris Pàz é colunista do Dia de Beauté, onde publica mensalmente sobre beleza e longevidade. Publicitária premiada e escritora com oito livros publicados, ela nasceu em 1970 e é uma das precursoras da produção de conteúdo digital no Brasil. Colunista da rádio BandNews FM de BH, comanda o podcast 50 Crises (entre os destaques de 2020 no Spotify Brasil) e traz novos olhares sobre saúde mental, protagonismo feminino, maternidade, moda e longevidade por meio de suas redes e palestras.

{Fotos: Angela Roma e cottonbro studio / Pexels}

Comentários

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One reply on “O Carnaval e nossos medos: onde se esconde a verdadeira beleza?”

Ao ler seus textos, ouvir, me sinto presenteada a cada vez que o faço. Você é um pontinho de luz

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