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Sobre tirar o padrão do corpo e da cabeça

22/01/24
Sobre tirar o padrão do corpo e da cabeça

Anos atrás, tive um namorado que sugeriu que eu colocasse silicone no peito. A ideia poderia não soar absurda, caso eu tivesse manifestado qualquer incômodo com as proporções dos meus seios. Não era o caso. Sugestões indigestas como a dele só serviriam de impulso para aumentar meus decotes, além de almejar outro nível de relacionamento.

Colocar-se na posição de quem julga, analisa e dá o veredicto sobre o corpo de uma mulher me parece a maneira mais simples de evitar o próprio espelho.

Talvez por isso eu tenha reagido com irritação às repercussões sobre os comentários de Rodriguinho e Nizam sobre Yasmin Brunet no BBB 24, dias atrás. Diferente das prováveis parceiras anteriores do meu ex-namorado, fiz as pazes com meu corpo muito cedo. Declarações como os dos participantes do BBB não encontram eco em mim. Mas, a despeito da minha impaciência, repercussões continuaram ganhando as redes e até quem optou por nunca assistir a essa temporada do BBB, como eu, foi obrigado a confrontar o assunto — o que talvez seja o seu caso agora, mas o intuito dessa coluna é fazer valer a pena. 

As primeiras reações que apareceram na minha timeline usavam como argumento a “beleza inquestionável” de Yasmin Brunet — “Quem é esse homem feio para criticar uma mulher linda como ela?” Em outras palavras, faziam do próprio padrão de beleza uma resposta (rasa, infantil e excludente) a uma fala cujo calcanhar de Aquiles era justamente reforçar esse padrão. Rebater críticas feitas a qualquer mulher que se aproxime do ideal de beleza, usando argumentos baseados nesse ideal, é se sujeitar justamente ao que nos escraviza. Não se combate um preconceito com outro.

Com o tempo fui impactada por análises que elevaram o nível da discussão, algumas delas citando “O mito da beleza”, livro da jornalista estadunidense Naomi Wolf (meu exemplar que me espera na estante há alguns meses deve estar feliz com esse bafafá). Mas, ainda que ouvir essas pessoas me ajude a compreender a origem desses comportamentos e como eles servem a um sistema onde a ideia é manter o poder em mãos masculinas, me vi diante do velho dilema: o que nós, mulheres, podemos fazer para mudar isso? 

Só mudaremos a lógica absurda de homens comentando corpos e hábitos de mulheres quando pararmos de responder aos padrões como se fôssemos guiadas por eles.

O episódio do BBB prova que machismo, misoginia e etarismo conseguem silenciar até mesmo a inteligência estratégica. Tratar o corpo da mulher como mercadoria é uma atitude masculina tão cotidiana, que os dois participantes pareciam nem se lembrar que estavam num jogo, com as câmeras ligadas e o Brasil assistindo. Imagine o que não deve rolar quando não há plateia.

Será que dar repercussão a falas assim é o que fará mudar esse comportamento? O que os homens pensam sobre nós e o que se acham no direito de dizer a respeito não está sob o nosso controle. Não existimos para satisfazer seus egos, e trazer esse assunto à discussão, como se a ala masculina fosse aceitar o convite à reflexão é, no mínimo, ingenuidade. 

Em mais alguns dias percebi que eu é que estava sendo ingênua: é para nós mesmas que a discussão se presta. Só o conhecimento histórico pode nos fazer compreender as origens dessas atitudes para que, assim, possamos nos desvencilhar delas. E eu acredito que seja melhor fazermos isso no nosso quarto fechado, sem câmeras. Talvez seja a hora de agir com a perspicácia que eles não têm, ou seja, não reagir. Calma, que eu explico. 

Há atitudes mais inteligentes do que colocar um amplificador nesses comportamentos (que não são de todos os homens, embora venham da maioria). Só podemos mudar essa lógica absurda de homens comentando corpos e hábitos das mulheres quando pararmos de responder aos padrões como se fôssemos guiadas por eles. Quando esvaziarmos de sentido isso que chamamos de padrão. Movimentos como o Corpo Livre e respostas a críticas como fez a Paolla Oliveira caminham nesse sentido, celebrando a liberdade de sermos como quisermos e fortalecendo as escolhas pessoais. Fazer um esforço sobre-humano para estar dentro de um padrão (ele, sim, sobre-humano) é trabalho perdido. Se você conseguir o milagre de se encaixar num padrão hoje, pode ter a certeza de que ele mudará amanhã. 

A verdade é que os padrões não vão desaparecer na base do diálogo. O jogo começa a mudar quando fizermos o movimento de nos tornarmos impermeáveis a eles. Um caminho que passa longe da guerra dos sexos porque foca o que nos cabe, em lugar de mirar o que não depende de nós. 

E nisso a maturidade pode nos ajudar. Conhecemos essa cantilena há tempo suficiente para compreender que nunca estaremos à altura das exigências que inventam para nós, simplesmente porque isso não é conveniente. A verdade é que a maior parte dos homens está apavorada com o tamanho do nosso poder. O tal padrão é só uma forma de tentar nos fazer acreditar que não o temos. Mal sabem eles que não queremos fazer nada com esse poder, além de viver sossegadas e felizes com os nossos corpos, cultivando relações que sejam maduras e equilibradas, sem ingredientes tóxicos ou abusivos. Será que é tão difícil entender? 

Sim, é quase impossível para a maioria deles, que enxergam o poder feminino como ameaça. 

Nos resta parar de agir esperando a aprovação masculina. Volto meu olhar para dentro e me conecto aos meus anseios, tendo como base o que me satisfaz e o que me faz feliz. 

O que nos resta? Parar de agir esperando a aprovação masculina. Volto meu olhar para dentro, descubro quais são os meus anseios (e não o que desejam ou projetam para mim) e me conecto a eles, tendo como base o que me satisfaz e o que me faz feliz. Me apresso em ficar de bem com meu corpo para experimentar essa sensação gostosa de aceitação que me faz sentir inteira. Faço isso mais pelo exercício da aceitação do que pelo corpo em si, já que este, não me iludo, muda com o tempo. Então aprendo a me divertir com a transformação. Vou me conhecendo de novo à medida que mudo e aprendo a me amar do jeito que me tornei. Confesso que isso fica bem divertido com a ajuda da moda, da maquiagem e de boas risadas.

Olho para minhas fotos de quando eu tinha 40. Poucas tatuagens, poucas rugas, olhos maiores e uma verdadeira explosão de colágeno, se comparada aos meus 53 anos. Também me sinto bonita e sensual hoje, mas muita coisa mudou fisicamente e principalmente aqui dentro. Estou bem mais à vontade em mim, mais dona dos meus desejos e mais tranquila com minhas escolhas. Em outras palavras, estou muito mais feliz. Mesmo sabendo que lá no fim o que vem mesmo é o fim. Prefiro rir disso tudo, prefiro ser feliz nesse caminho, em lugar de me descabelar com o que não será diferente.

Se o outro não gosta do meu corpo, que bom. Ele é meu, não dele. Se não gosta das minhas tatuagens, que não se tatue. Se os caras do quarto do líder têm medo de compulsão alimentar, que se cuidem para não ser vítimas dela. Nem eu, nem você, nem a Yasmin somos Serviço de Atendimento ao Consumidor. 

Poderoso mesmo é compreender que já temos o suficiente. Tomar a nós mesmas como parâmetro e almejar um pouco mais amanhã, para não perder o crescimento de vista. E não esquecer que envelhecimento e finitude são perspectivas que nasceram para todos. Inclusive para Nizam e Rodriguinho. 

Sorte da Yasmin, que não faz ideia do que rolou naquele quarto do líder e segue a vida tranquila, lutando só com seus fantasmas. 

 

Cris Pàz é colunista do Dia de Beauté, onde publica mensalmente sobre beleza e longevidade. Publicitária premiada e escritora com oito livros publicados, ela nasceu em 1970 e é uma das precursoras da produção de conteúdo digital no Brasil. Colunista da rádio BandNews FM de BH, comanda o podcast 50 Crises (entre os destaques de 2020 no Spotify Brasil) e traz novos olhares sobre saúde mental, protagonismo feminino, maternidade, moda e longevidade por meio de suas redes e palestras.

{Foto: reprodução Instagram @yasminbrunet}

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2 replies on “Sobre tirar o padrão do corpo e da cabeça”

Nossa, que artigo brilhante, Cris! Amei e me sinto representada. Parabéns!

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