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O futuro presente dos perfumes

21/03/23

“A recordação é o perfume da alma”, escreveu George Sand, pseudônimo da baronesa de Dudevant, Amandine Aurore Lucile Dupin. No entanto, será que a afirmação da romancista parisiense não poderia ser invertida também? Perfume não seria recordação? Sobretudo, quando a gente pensa que a memória olfativa, aquela que nos faz guardar as fragrâncias, é uma das mais poderosas. 

Segundo Bruss Lima, professor de neurofisiologia e biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o nosso olfato tem uma ligação mais direta e menos filtrada com o córtex, que é a parte do cérebro que processa informações mais complexas – diferente dos sentidos da visão, audição ou tato, que precisam passar pelo chamado tálamo antes. “Os cheiros e a memória estão intimamente conectados justamente porque as estruturas que os processam estão próximas. O córtex que recebe as informações olfativas está perto do nosso sistema límbico, responsável pelas emoções e pela memória”, explica Bruss. Assim, um perfume pode mexer com muito mais que nossas recordações, mas com nossos sentimentos também.

Segundo dados de uma pesquisa da casa de fragrâncias Givaudan realizada em 2019, com 400 participantes do Brasil, EUA e França, 85% das pessoas acreditam que fragrâncias podem melhorar o nosso humor. Dessa maneira, muitos dos esforços da perfumaria têm sido para criar produtos que consigam dar um boost no bem-estar e não é de hoje. 

Há décadas temos acompanhado, por exemplo, um boom de perfumes para ambientes. Spas, hotéis, lojas, investindo em assinaturas olfativas de ambiente visando serem lembradas e associadas a conforto, relaxamento, alegria, etc. Mas talvez o mercado tenha tido a pandemia como um catalisador da busca pelo bem-estar. Fábio Ottaiano, fundador da marca brasileira L’Envie Parfums, que produz perfumes pessoais e para ambientes, diz que sentiu isso em suas vendas. “Existe uma tendência conhecida há alguns anos chamada “cocooning”, que é a intensificação do comportamento caseiro, da valorização da casa em busca de segurança, conforto e privacidade. Mas com a pandemia, sem dúvida, isso foi dramaticamente intensificado por motivos de força maior. Tivemos um crescimento de 250% de 2020 para 2021 (ano da pandemia) e o crescimento se manteve positivo, com mais de 80% de 2021 para 2022”, conta. 

A novidade agora, está em como provocar o bem-estar através de fragrâncias, o que tem sido feito e explorado na perfumaria em geral, usando cada vez mais a neurociência e a tecnologia.

Cheiro high-tech de bem-estar

No final do ano passado, a suíça Givaudan lançou o MoodScentz+, uma versão mais poderosa da plataforma que analisa emoções através de imagens cerebrais para criar e desenvolver fragrâncias e aromas. Essas imagens são obtidas através de um aparelho chamado InSituScanz. 

“Com ele, nós medimos a atividade nas áreas frontal e pré-frontal do cérebro, que é responsável pelo processamento das emoções, recuperação de memórias e expressão de estados de humor positivos. Esta é a região cerebral mais relevante para estudar a interação entre fragrâncias e emoções”, diz Giuliano Gaeta, cientista de pesquisa em neurociência da Givaudan Reino Unido. 

A primeira versão havia sido desenvolvida no final dos anos 1990, com patentes registradas no início dos anos 2000. E agora, em sua versão atualizada, o MoodScentz+ consegue identificar e classificar 3 grupos de humor ao invés de apenas 1, sendo eles, relaxamento, felicidade e revigoração. “Esses principais pilares representam os espaços emocionais positivos identificados na literatura acadêmica sobre a ciência das emoções. Com a tecnologia que temos, somos capazes de mapear 58 emoções agrupadas nesses pilares principais. Por meio do InSituScanz, é possível validar as propriedades de melhora do humor de uma fragrância”, detalha Giuliano. 

 

Além disso, a paleta de ingredientes que os perfumistas conseguem usar através da plataforma e das leituras obtidas cresceu de 250 para 700. Na prática, significa mais assertividade e alcance na criação de novos perfumes que visam o wellness, através de algoritmos, imagem cerebral com resposta emocional em tempo real e validação científica em um banco de dados com registros de mais de 7 mil pessoas. 

Já a casa de fragrâncias Symrise contou com a IBM, gigante da tecnologia, para seu programa de inteligência artificial ligado à criação de fragrâncias. Batizada de Philyra, ela é abastecida por inúmeras fontes de informação importantes no processo criativo como ingredientes e matérias primas, dados de mercado, preferências olfativas de consumidores, informações sobre os níveis de sustentabilidade dos ingredientes, etc. “Philyra é aplicada no aprimoramento de tarefas ligadas à criação de perfumaria, ganhando velocidade e volume de propostas criativas para os perfumistas na Symrise. Ela explora e propõe territórios olfativos jamais considerados no dia a dia da criação de perfumes”, diz Gabriela Guzzardi, diretora de marketing para América Latina Sul da Symrise. E por ser uma inteligência artificial, ela também pode elevar sua curva de aprendizado. “Quanto mais Philyra exercita formulações de fragrâncias, mais ela aprende. Há uma melhoria contínua aplicada no algoritmo”, continua Gabriela.

“Temos na Symrise um programa exclusivo que alia neurociência, com testes neurométricos, biométricos e psicométricos, para investigar os efeitos de ingredientes e acordes olfativos. Com uma base de dados neurocientíficos globais, a Symrise pode confirmar associações de notas olfativas com diversas emoções, como por exemplo, notas cítricas associadas à energia, florais brancos orvalhados ao bem-estar, entre outras. Todas estas informações são injetadas no algoritmo de inteligência artificial, fornecendo a oportunidade de criar fragrâncias com benefícios emocionais”, complementa Patrícia Arnostti, diretora executiva de inteligência de marketing e do consumidor para América Latina da Symrise.

Alta tecnologia, algoritmos, inteligência artificial deixaram de habitar a ficção e já estão entre nós, inclusive, no universo das fragrâncias.

Nem tudo está nos algoritmos

Por mais que os dados possam alimentar boa parte dos insights na hora de se criar uma fragrância, ainda existem variáveis tipicamente humanas que podem fugir às regras dos números. Por exemplo, um cheiro considerado agradável em um país, pode não ser interpretado da mesma forma em outro devido às diferenças culturais. E em um mundo globalizado em que as informações cruzam os oceanos em busca de padronização, essas diferenças afetam o desenvolvimento de perfumes e ainda demandam a sensibilidade humana. 

“Diferentes fatores podem influenciar o humor. A cultura é definitivamente um, mas também experiências e memórias pessoais, fatores geográficos, familiaridade e contexto podem desempenhar um papel nisso. No entanto, uma das habilidades de nossos perfumistas é criar fragrâncias que podem evocar estados de espírito específicos em uma população específica. Além disso, enquanto o estímulo (ou seja, a fragrância) que evoca essa emoção pode ser diferente de cultura para cultura, a expressão emocional geral (ou seja, o humor resultante como resposta a esse estímulo) e os padrões associados de atividade cerebral permanecem constantes em um nível global para que possamos medi-los quantitativamente tanto no nível do cérebro através da InSituScanz quanto no nível comportamental através do Mood Portraits”, diz Giuliano.

 Por mais que os dados possam alimentar boa parte dos insights na hora de se criar uma fragrância, ainda existem variáveis tipicamente humanas que podem fugir às regras dos números. 

Mais ciência e menos arte?

Em meio a tantas novidades tecnológicas, algoritmos e inteligência artificial, a pergunta que ecoa é se a perfumaria, tão ligada à arte, à sensibilidade humana, ao lúdico, estaria ficando sem espaço para subjetividade, fantasia e criatividade. A resposta é que talvez não seja bem assim. 

“As tecnologias auxiliam o perfumista cada vez mais a explorar caminhos novos de como criar, ganhando principalmente agilidade, assertividade. O lado artístico de cada criação está relacionado muito mais às emoções que um cheiro pode te transportar do que somente à combinação de ingredientes naturais e sintéticos. A máquina, por mais avançada que seja, não terá um coração humano para sentir”, fala Leandro Petit, perfumista da Givaudan. Issac Sinclair, perfumista Symrise, pensa de forma parecida. “A inteligência artificial sempre será o complemento da criatividade de um perfumista e não sua substituição. Philyra é uma assistente de criação e funciona como Alexa, Spotify, mas construída com perfumistas, para os perfumistas. O algoritmo depende que alguém o abasteça e lhe dê direcionamentos. Em um processo criativo tão sensorial quanto o de perfumaria, a tecnologia é uma aliada no ganho de assertividade, mas não substitui a criação humana. Além disso, a coragem criativa está associada à pessoa, e isso é algo que sempre foi importante para romper barreiras na criação de fragrâncias”, opina.

E mesmo com tanta tecnologia envolvida, a busca por formulações com ingredientes naturais, que tem sido um apelo forte do mercado, parece manter a balança entre as máquinas e a terra mais equilibrada. Aliado a isso, o mercado de luxo mantém vivas algumas tradições do savoir-faire da perfumaria. A Guerlain, por exemplo, faz questão do uso de certas matérias-primas naturais selecionadas. 

“Para melhor atender ao desejo de mais naturalidade de nossos clientes, a Guerlain está incorporando uma proporção crescente de ingredientes de origem natural em suas criações. Em 2023 vamos lançar a fragrância Aqua Allegoria Harvest, na qual nossos perfumistas selecionaram colheitas especiais e raras por serem as mais virtuosas e únicas, refletindo a riqueza do solo, como uma água de rosas orgânicas de Grasse, uma tangerina Marzolo da Calabria colhida antes de ficar completamente madura e um extrato de mel da Calabria das colméias de Guerlain nunca usadas antes na perfumaria. Para isso, a Guerlain se comprometeu a criar cadeias de abastecimento sustentáveis ​​para que qualquer recurso extraído da Natureza seja rastreável e renovável”, conta Cecile Lochard, chefe de sustentabilidade da maison. Assim, é possível imaginar um presente-futuro da perfumaria mais high-tech mas quase paradoxalmente com mais contato com a natureza. 

Gui Takahashi é jornalista e criadora de conteúdo. Adora falar de beleza, moda, comportamento e sociedade, principalmente refletindo sobre esses assuntos e dividindo experiências pessoais.

{Fotos: cottonbro studio / Pexels e Divulgação}

Comentários

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One reply on “O futuro presente dos perfumes”

Amei a matéria. Muito inteligente e perspicaz. Válida como aprendizado, com informações e pensamentos que eu não traduziria.
Parabéns Gui!

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