Simplicidade, praticidade, leveza. Produtos para a vida real.

Produtos para a vida real.

Compre aqui!

A vida é tatuada

26/12/22

Cris Pàz é colunista do Dia de Beauté, onde publica mensalmente sobre beleza e longevidade.

Ostentar tatuagens parece moderno, mas é das práticas mais antigas do mundo. O hábito tem muitos registros em vários pontos do globo e da história, com sentidos também diversos. Com o desenvolvimento das civilizações, a tatuagem foi ganhando mais significados, por isso é difícil cravar para ela uma única origem ou objetivo. No Japão, por exemplo, o costume é difundido desde o século 5 antes de Cristo, com funções quase paradoxais: embelezar o corpo ou marcar criminosos. Sinal de que meu pai tinha razão quando dizia que “tatuagem é coisa de marginal”. Por outro lado, não estou errada quando, numa sessão com o tatuador, me sinto num verdadeiro ritual de beleza.

Cada vez mais comum e democrática, a tatuagem parece ter se tornado um clássico e, com ela, a pergunta: “E quando você ficar velha?” Já faz tempo que ninguém me questiona isso, deve ser porque já passei dos 50. O que me deixa mais livre para fazer mais uma — à medida que os anos passam, meus desenhos na pele se multiplicam mais do que as rugas.

Sempre me pergunto por que estou decidindo me tatuar mais uma vez, mas raramente estou interessada na resposta. Me importa mesmo é decidir o traço. O que me intriga, de verdade, são as pessoas que têm confessa fascinação pela tatuagem, mas não a coragem de se aventurar. Seria uma ilusão de eternidade?

“Quanto mais você se tatua, mais acha espaço em branco na pele”, diz o Matheus, tatuador que acabo de conhecer, mas já considero pra caramba, já que confiei a ele os dorsos das duas mãos. Sua frase me lembra a de Sócrates, “Só sei que nada sei”, que me vem à mente a cada novo livro que leio. Afinal, quanto mais conhecimento adquiro, maior é minha consciência sobre o abismo da minha ignorância.  

Matheus é mais um artista na minha pele, esse museu a céu aberto cujo acervo estará sempre aqui – enquanto eu também estiver. Se as marcas do tempo são inevitáveis, outras marcas podem ser escolhidas. Tatuagens são minha resposta bem-humorada à transitoriedade da vida.

Se minhas cicatrizes não são escolhidas, mas definem muito do que sou, tatuagens são as marcas que escolho ter.

Cicatrizes e rugas sublinham minha vulnerabilidade e acenam para minha finitude. Já os desenhos são o meu bordado particular e imperfeito. Meu padrão é o não padrão, a busca por me tornar absolutamente eu mesma. Meu ideal é a construção individual de uma história – o que também é ilusão, claro, pois até essa busca por diferenciação é influenciada, inconscientemente, por determinados padrões. Ainda assim, a tatuagem é um adorno de identidade, uma dentre as tantas possibilidades de diferenciação que a vida nos apresenta. 

Ser o conjunto de experiências, dores, aprendizados, mortes e renascimentos, cicatrizes e desenhos escolhidos que só a minha vida reúne é um jeito de dizer sim ao envelhecimento como celebração da vida, essa oportunidade de experimentar a existência sem reservas. Um aprendizado sobre a vulnerabilidade e sobre a impermanência, palavra que tem se incorporado ao meu dia a dia. 

Sempre me lembro do Kintsugi, técnica artesanal japonesa, também conhecida como carpintaria de ouro, que remonta a cinco séculos atrás, quando uma tigela de cerâmica se quebrou. Como pertencia a um nobre muito apegado ao objeto, alguém teve a ideia de colar os fragmentos usando um verniz polvilhado com ouro. A solução devolveu a vida à tigela, agora com cicatrizes douradas, e virou arte milenar. 

Se minhas cicatrizes não são escolhidas, mas definem muito do que sou, tatuagens são as marcas que escolho ter. Que também pedem um tempo próprio para finalmente fazerem parte de mim. Como a vida.  

Gosto de pensar que, quando eu ficar velha (e já fiquei), serei uma velha tatuada, enrugada e feliz. E não uma velha frustrada, que viveu sonhando fazer desenhos na pele (e outras loucuras).

Cris Pàz é colunista do Dia de Beauté, onde publica mensalmente sobre beleza e longevidade. Publicitária premiada e escritora com oito livros publicados, ela nasceu em 1970 e é uma das precursoras da produção de conteúdo digital no Brasil. Colunista da rádio BandNews FM de BH, comanda o podcast 50 Crises (entre os destaques de 2020 no Spotify Brasil) e traz novos olhares sobre saúde mental, protagonismo feminino, maternidade, moda e longevidade por meio de suas redes e palestras.

{Foto: reprodução Instagram @eucrisguerra e Marina Abrosimova / Unsplash}

Comentários

(Veja Todos os Comentarios)

One reply on “A vida é tatuada”

Olha a coincidência…fiz duas tatuagens novos na sexta 23/12/2022…o tatuador recebeu de mim duas coisas que eu queria na pele…meus olhos…e alguns sinais da matemática, só que um dentro do outro, pois o que vemos é o que nós representa, é o que eu quero ver, se não quero ver tristezas, não causo nenhuma, se quero amor, faço tudo com amor…os sinais significam multiplicar coisas boas, dividir e somar sempre e ser igualitário, o que não quero pra mim não faço a ninguém …o desenho ficou incrível…foram duas horas lindas… E a outra uma árvore da vida com a frase “never back down”!
Maravilhoso ler algo assim Cris, parabéns!! Bjo da Pri 😘😘

Leave a Reply

Your email address will not be published.

Categorias:
Tags: