Venho pensando muito sobre a bunda, mais especificamente sobre a minha, e devo admitir: há um descompasso entre as nossas formas de encarar a passagem do tempo. Se estou confiante e cheia de planos, minha bunda não tem enfrentado a vida de peito aberto. Anda cabisbaixa, introspectiva. Parece que entregou os pontos.
Justiça seja feita, a lei da gravidade é mais cruel com ela. Se a física não perdoa nada, nem ninguém — que dirá as bundas —, talvez seja por isso que ela anda, sei lá, tão pensativa.
Na adolescência, quem diria, foi ela o trampolim para a autoestima. Como esquecer a calça jeans justinha que finalmente me fez sentir a “legítima mulher brasileira”? Eu tinha 15 anos e já maltratava a coluna vertebral, entortando o pescoço a fim de avistar minha bunda no espelho. Não sei se era ilusão de ótica, mas ali ela me soava tão confiante, cabeça erguida, cheia de si. Era o começo da minha compulsão pelas roupas, sem as quais, vamos combinar, minha bunda não alcançaria prestígio algum.
Na praia, no clube ou na cachoeira, ela jamais foi atração. Passava discreta, desprovida de graça, bunda menina, que vem e que passa, sem ninguém notar. Nem um fio dental chegou a arriscar — deixou para os dentes, mais exibidos. Se um dia tremeu em passos de samba, para não fazer feio em viagem ao Caribe, passaria longe de uma Sapucaí. E enquanto outras bundas causavam tremores em quadradinhos de oito, a minha ficava no seu quadrado. Segurava as pontas em aulas exaustivas, sustentava o corpo debruçado sobre equações difíceis, encolhia-se na hora das contas do mês. Não perdi tempo invejando as mulheres de corpo violão. Segui em frente, cabeça erguida, levando a bunda comigo.
Hoje, ela olha para trás sem muitos remorsos. Contenta-se com uma carreira que alguns poderiam chamar de medíocre. Talvez seja uma bunda de Capricórnio num corpo de Leão: se me sinto em casa no palco, ela nasceu para o backstage. Mas como eu poderia brilhar sem ela? Quem é que ficou na cadeira por horas enquanto eu escrevia diários, cartas de amor e campanhas? Quem é que sustentou esse cérebro inquieto escrevendo oito livros?
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