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Quando olho para trás: sobre uma bunda coadjuvante e feliz

15/09/23

Cris Pàz é colunista do Dia de Beauté, onde publica mensalmente sobre beleza e longevidade.

Venho pensando muito sobre a bunda, mais especificamente sobre a minha, e devo admitir: há um descompasso entre as nossas formas de encarar a passagem do tempo. Se estou confiante e cheia de planos, minha bunda não tem enfrentado a vida de peito aberto. Anda cabisbaixa, introspectiva. Parece que entregou os pontos.

Justiça seja feita, a lei da gravidade é mais cruel com ela. Se a física não perdoa nada, nem ninguém — que dirá as bundas —, talvez seja por isso que ela anda, sei lá, tão pensativa.

Na adolescência, quem diria, foi ela o trampolim para a autoestima. Como esquecer a calça jeans justinha que finalmente me fez sentir a “legítima mulher brasileira”? Eu tinha 15 anos e já maltratava a coluna vertebral, entortando o pescoço a fim de avistar minha bunda no espelho. Não sei se era ilusão de ótica, mas ali ela me soava tão confiante, cabeça erguida, cheia de si. Era o começo da minha compulsão pelas roupas, sem as quais, vamos combinar, minha bunda não alcançaria prestígio algum.

Na praia, no clube ou na cachoeira, ela jamais foi atração. Passava discreta, desprovida de graça, bunda menina, que vem e que passa, sem ninguém notar. Nem um fio dental chegou a arriscar — deixou para os dentes, mais exibidos. Se um dia tremeu em passos de samba, para não fazer feio em viagem ao Caribe, passaria longe de uma Sapucaí. E enquanto outras bundas causavam tremores em quadradinhos de oito, a minha ficava no seu quadrado. Segurava as pontas em aulas exaustivas, sustentava o corpo debruçado sobre equações difíceis, encolhia-se na hora das contas do mês. Não perdi tempo invejando as mulheres de corpo violão. Segui em frente, cabeça erguida, levando a bunda comigo.

Hoje, ela olha para trás sem muitos remorsos. Contenta-se com uma carreira que alguns poderiam chamar de medíocre. Talvez seja uma bunda de Capricórnio num corpo de Leão: se me sinto em casa no palco, ela nasceu para o backstage. Mas como eu poderia brilhar sem ela? Quem é que ficou na cadeira por horas enquanto eu escrevia diários, cartas de amor e campanhas? Quem é que sustentou esse cérebro inquieto escrevendo oito livros?

Há um descompasso entre as nossas formas de encarar a passagem do tempo

Enquanto o tempo deixava a minha bunda para trás, a Associação Brasileira de Normas Técnicas fazia uma revisão no tal padrão brasileiro, escaneando os corpos de milhares de mulheres pra tirar a prova dos nove. Qual não foi nossa surpresa (e também das nossas bundas) ao constatar que só 5% das bundas brasileiras estão num típico corpo violão.

Pois a minha sobreviveu a esse desapontamento e agora enfrenta outra falta: a de colágeno. Se já era discreta, virou especialista em papéis coadjuvantes. É entrar num restaurante e busca logo um sofazinho. Também pudera. Já sentou em tantos lugares, ônibus, trem, avião. Já navegou por tantos mares, cadeiras de bares, frias, de metal. Usou jeans apertado sem elastano. Encostou em muros de chapisco, sentou-se no chão em posição de ioga. Ralou muito, esperou sentada, tomou pé-na-bunda. Está cansada, a bunda. Nem na academia faz questão de prioridade.

Minha bunda não quer subir de cargo, está feliz assim. Se era atriz, virou diretora. Cede o protagonismo sem perder a importância, assenta bem no papel de conselheira. Vivida, não quer saber de se aposentar. Mas quer ter tempo pra almoçar.

Do seu jeito, minha bunda se reinventa. Deixa de lado a vaidade e cede lugar à barriga, essa brasileira que não desiste nunca. Minha bunda está mais para japonesa, quem sabe até uma Yoko Ono. Como a artista e cantora, que já passa dos 90, prefiro meu cérebro à minha bunda. E peço a ele sabedoria para olhar mais para frente do que para trás.

Cris Pàz é colunista do Dia de Beauté, onde publica mensalmente sobre beleza e longevidade. Publicitária premiada e escritora com oito livros publicados, ela nasceu em 1970 e é uma das precursoras da produção de conteúdo digital no Brasil. Colunista da rádio BandNews FM de BH, comanda o podcast 50 Crises (entre os destaques de 2020 no Spotify Brasil) e traz novos olhares sobre saúde mental, protagonismo feminino, maternidade, moda e longevidade por meio de suas redes e palestras.

{Fotos: cottonbro studio e Karolina Grabowska / Pexels}

Comentários

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One reply on “Quando olho para trás: sobre uma bunda coadjuvante e feliz”

Carissima Cris Pàz, certa vez um maledetto italaino [ e lindo ] disse que gostava de muitas coisas em mim, comencando pelo meu cerebro e terminando na minha bunda. Ele gostava de dizer que a minha bunda parecia um mandolino, e eu sabia que era uma bunda pequena, mas fofa. Otimo porque a minha bunda estava em consonancia com as outras partes do meu corpo.

Voce parou para pensar que estamos o tempo todo rentando “refazer a criação divina”?

Voce e bela! Voce tem sabedoria. A beleza é a harmonizacao da mente e corpo.

E seguramente, se há algo que ultrapassa os parâmetros da beleza é o conhecimento da maioria.

Um abraco forte forte,
Lilian spiller

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