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Meu amor mais bonito

12/06/24
Meu amor mais bonito

Quando conto em minhas palestras que fiquei viúva durante a gravidez, me apresso em consolar a plateia, avisando que já me casei de novo. “Várias vezes”, completo, assim que ouço as reações de alívio. Além de roupas e sapatos, já colecionei estados civis e histórias de amor. E acabei conhecida por um traço, digamos, revolucionário: uma fé inabalável no amor romântico. Isso mesmo. A mesma fé que me faz acreditar em novas possibilidades estará ao meu lado para não me deixar demorar em relações que me entristeçam.

“Já posso virar manchete da revista Caras”. A piada que fiz há dez anos, quando contei para meus irmãos sobre o fim do meu terceiro casamento, era meu jeito de dizer que uma separação pode ser, sim, o momento em que uma relação finalmente dá certo. Algumas têm essa função bem clara: mostrar o quanto vivemos bem no singular. Dizem que apenas a sós podemos nos conhecer de verdade. Mas a vida a dois pode ser um exercício ainda mais corajoso de autoconhecimento.

Amor sempre foi a palavra mais importante do meu dicionário. Eu era criança quando ouvi que precisava ser, antes de tudo, amada — uma lição que veio em palavras, não propriamente em atos. Meus olhos se voltaram para o outro, sempre idealizado. Me vi convertida em metades estranhas, sem compreender o inteiro de que era feita. Engolia quereres alheios e não sabia quais eram os meus.

Tratei de abusar da criatividade para construir motivos pelos quais pudesse, de fato, ser escolhida. Caprichei. A certa altura, acabei me apaixonando por mim. Nunca mais nos separamos.

Embarquei em muitas aventuras — sempre bem acompanhada de mim mesma. Meus amores começavam do alto. Eu saltava amor-perfeito e chegava lá embaixo um cacto, repleta de espinhos. Amei amores movidos a adrenalina, amei dores que confundi com amor. Amei tanto e tão intensamente, que ia embora carregada de convicção, sem espaço para um milímetro do que eu pudesse eventualmente não ter feito. Sempre fiz. Não me arrependo por ter mergulhado no amor, por ter me afogado e morrido tantas vezes. Foram essas braçadas que me trouxeram até mim.

Além de roupas e sapatos, já colecionei estados civis e histórias de amor. E acabei conhecida por um traço revolucionário: uma fé inabalável no amor romântico. 

Para os que veem de fora, eu sei, estou sempre recomeçando. Como toda segunda- feira na academia. Recomeço a série depois de uma semana viajando, quando meu corpo esquece o que mal tinha aprendido. Recomeço a cada manhã depois de uma semana em que preferi o edredom. Recomeço 45 dias depois de uma cirurgia de retirada do útero. E um belo dia, quando finalmente estou íntima dos exercícios, me sento desavisada, na quina do encosto do sofá, mirando o braço. E um cóccix lesionado me convida a começar mais uma vez. Recomeço. Nunca do mesmo ponto de partida.

A competição jamais refletiu minhas escolhas. Na escola, eu era um desastre nos esportes coletivos. Não importava a dimensão da bola, meu tamanho era sempre o de iniciante. Na hora de escalar os times na educação física, não havia colega que me quisesse na equipe. Com razão. Meu movimento preferido era dentro da cabeça. Eu só queria ser amada, sem imaginar que, tantas vezes, o que me parecia amor não passava de um jogo. Um jogo que perdi sucessivamente.

“Quando o parceiro vira aliado e não inimigo. Confidente, e não inquisidor. Quando aprendemos e ensinamos, quando torcemos pela realização do outro”. O trecho de uma mensagem do meu namorado deixa claro o que nos diverte. Se for pra jogar, que seja frescobol, como sugere o Rubem Alves. Ninguém ganha para que os dois ganhem, já que só assim a diversão continua. Se eventualmente a bola cai no chão, o outro apanha e vem mais jogo. Assim que é bom. (E o que é a vida a dois, senão uma sequência de recomeços?)

Mais do que descrença, desistir do amor é sinal de ingenuidade. Amor jamais foi golpe de sorte. É mais calma que paixão, mais durante que desfecho. E a consciência de que, sim, vai ser difícil. O amor mora na coragem. Na decisão. O problema é que um dia a Disney atravessou nosso caminho. E enquanto os príncipes acordam princesas para viverem felizes para sempre, muita gente vive sonhando com o impossível.

Mais do que descrença, desistir do amor é sinal de ingenuidade. Amor jamais foi golpe de sorte. É mais calma que paixão, mais durante que desfecho. 

Há um ano, escrevi sobre o fim de um namoro de cinco anos e o que havia aprendido com ele. Me declarei pronta para o amor e completei: “Saberei reconhecer quando ele chegar”. E soube. Meu grande amor chegou logo depois. Me encontrou “sabedora das minhas alegrias, conhecedora do que me entristece, jamais tão ciente dos meus limites”. Nunca, em outro tempo, estive tão certa dos meus valores inegociáveis: conversar tem que ser bom e fácil, humor é tão importante quanto sexo. Por uma espécie de delicadeza do destino, moramos em cidades diferentes. Nos primeiros 47 dias, tudo o que tínhamos era — adivinhe — muito humor e palavras. Quanto frescobol a gente jogou com elas, e o jogo não termina.

Amores vividos são cheios de histórias e desafios. Uma relação verdadeiramente madura começa quando o outro deixa de ser o reflexo dos meus desejos e sou capaz de amá-lo assim, diferente das minhas expectativas. É no luto do amor idealizado que começa outro, surpreendentemente simples e, por isso, muito melhor.

Minha longa estrada só fez crescer minha esperança. Não foram fracassos. Foi treino.

O que fiz em 52 anos, até que ele chegasse, foi apurar a minha capacidade de me relacionar e de entender o que me faz feliz. Subi o nível do meu controle de qualidade, o que vai na direção oposta à idealização. Apurei minha calma de insistir. Meu amor chegou e me encontrou disposta a amar com meu amor mais bonito.

Amor sempre foi a palavra mais importante do meu dicionário. Continua sendo.

Cris Pàz é colunista do Dia de Beauté, onde publica mensalmente sobre beleza e longevidade. Publicitária premiada e escritora com oito livros publicados, ela nasceu em 1970 e é uma das precursoras da produção de conteúdo digital no Brasil. Colunista da rádio BandNews FM de BH, comanda o podcast 50 Crises (entre os destaques de 2020 no Spotify Brasil) e traz novos olhares sobre saúde mental, protagonismo feminino, maternidade, moda e longevidade por meio de suas redes e palestras.

{Fotos: Shiebi AL /Unsplash e reprodução Instagram @wiwoos}

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