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Tudo ao mesmo tempo agora

18/12/24
Tudo ao mesmo tempo agora

Meu filho se formou no Ensino Médio. No mesmo mês, fiz palestras em Recife, Nova Lima, Belo Horizonte e Belém do Pará. Aplausos de pé por alguns minutos se misturaram às lembranças da minha aflição antes de subir em um palco onde outras duas palestras aconteciam simultaneamente, numa espécie de disputa pela atenção do público. Em São Paulo, eu e meu namorado nos despedimos de um dos seus gatos, que morreu após cinco meses lutando contra sintomas neurológicos de diagnóstico inconclusivo. Finalmente, estreei uma palestra aberta ao público, com venda de ingressos e plateia lotada, depois de meses de preparação – uma estreia em vários sentidos.

Tudo isso no meu recorte de vida recente, enquanto eu tentava digerir a notícia de um grande amigo que desapareceu em Paris.

Na mesma vida entram também o episódio da mulher na janela do avião, que ocupou redes sociais e noticiários, ofuscando até mesmo a absurda notícia de um policial arremessando um cidadão de uma ponte após uma revista. Também é minha a história de um Congresso tentando retirar direitos garantidos às mulheres há mais de 70 anos. Paralelamente, a Polícia Federal revela, dia após dia, mais detalhes sobre uma tentativa de golpe no Brasil em 2022, enquanto Ainda Estou Aqui estoura nas bilheterias, nos lembrando os horrores da ditadura.

Me pergunto: a ditadura síria, que chega ao fim após mais de meio século, traz esperança ou novos medos? Até quando Rússia e Ucrânia estarão em guerra? Por quanto tempo mais a Faixa de Gaza será palco de tanta violência?

Com tempo e energia escassos, quase não tenho postado nas redes sociais. Compartilhei o post sobre o paradeiro do meu amigo assim que soube da notícia. Nos bastidores, mantenho contato com um amigo comum em Paris, que me atualiza sobre cada passo das autoridades locais, sob o acompanhamento da embaixada brasileira.

Dias atrás, recebi uma mensagem privada no Instagram perguntando se eu não ia postar sobre meu amigo. Dizer algo nas redes jamais traduzirá o que sinto aqui dentro. Tristeza e alegria coexistem na vida, o tempo todo. Ninguém pode avaliar o que se passa dentro de mim, assim como não posso dimensionar o que vai dentro do outro. O resto é história.

Sem conhecer os fatos ou as pessoas envolvidas, e com os poucos dados divulgados na imprensa, surgem teorias da conspiração sobre o desaparecimento do meu amigo. Sua mãe, além de agonizar com a falta de respostas, enfrenta narrativas monstruosas de quem vive de cliques e curtidas. O namorado francês suporta acusações de quem sequer assiste a um vídeo inteiro. E a vida segue atropelando aqueles na mira das manchetes.

Muito tecnológicos e pouco amadurecidos, apressamo-nos em compartilhar opiniões e julgamentos que têm consequências reais. Vidas como a minha e a sua, cheias de camadas.

É ingênuo pensar que a vida se resume ao que está nas redes. Não há como viver plenamente quando invadidos por tantas outras vidas.

Em meio a tanto barulho, cuidar da saúde mental pode ser, muitas vezes, um ato de silêncio. Deixar de lado a ansiedade de julgar o outro.

Gestos e crimes motivados por racismo, misoginia e machismo caminham lado a lado com leis que tentam reduzir nossos direitos, saúde e dignidade. Tudo isso desafia nossa saúde mental, enquanto seguimos focados em performance, apressados em emitir opiniões sobre tudo.

Hoje, os acontecimentos nos invadem por todos os lados. O que antes eram janelas para paisagens viraram portas escancaradas, por onde transbordam vidas que se somam às nossas.

Vivemos meses em 24 horas, uma vida em 365 dias.

Em meio a tanto barulho, cuidar da nossa saúde mental pode ser, muitas vezes, ficar em silêncio.

Está explicado o nosso cansaço.

Tento imaginar quantas manchetes impactavam meus pais na infância, quando o Jornal Nacional resumia os fatos do dia. Quantas vezes vi meu pai mal-humorado por causa de uma notícia, incapaz de retribuir o “boa noite” do Cid Moreira.

Na Idade Média, o horror era entretenimento diante dos olhos de milhares. Hoje, o absurdo tira selfies, faz dancinhas, viraliza no TikTok. Já estamos quase em 2025, e o planeta parece um gigantesco coliseu, uma Netflix de atrocidades. Seguimos numa espécie de Idade Média – com wi-fi.

Como no palco em Belém, onde a plateia podia mudar de canal para outro palestrante, sigo tentando me concentrar em uma vida só: a minha. Enquanto me apresento, os aplausos para outra palestra são prova de fogo para minha autoestima.

Quantos temas concorrem em nossas cabeças? Quantas vidas você viveu em 2024?

Desejo a você um 2025 repleto de silêncios, momentos bem vividos e uma porção bem-vinda de pouco. O pouco suficiente para que sua vida seja, de fato, sua.

Cris Pàz é colunista do Dia de Beauté, onde publica mensalmente sobre beleza e longevidade. Publicitária premiada e escritora com oito livros publicados, ela nasceu em 1970 e é uma das precursoras da produção de conteúdo digital no Brasil. Colunista da rádio BandNews FM de BH, comanda o podcast 50 Crises (entre os destaques de 2020 no Spotify Brasil) e traz novos olhares sobre saúde mental, protagonismo feminino, maternidade, moda e longevidade por meio de suas redes e palestras.

{Foto: Los Muertos Crew/ Pexels}

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