“75 Challenge”: um relato pessoal sobre superação e flexibilidade
Se você é minimamente (ou cronicamente) ativo nas redes sociais, especialmente no TikTok, provavelmente já se deparou com o “75 Challenge”. Se não, eu explico: dividido em duas categorias, soft ou hard (leve ou pesado, respectivamente), o desafio propõe 75 dias ininterruptos de novos hábitos a fim de “mudar completamente” a vida daqueles que participam.
Na versão hard, idealizada pelo escritor e coach motivacional Andy Frisella, as regras são: seguir rigorosamente uma dieta de sua escolha; não consumir bebidas alcoólicas; beber três litros de água por dia; fazer exercícios físicos duas vezes ao dia por pelo menos 45 minutos cada vez, sendo que uma delas deve ser realizada ao ar livre; ler 10 páginas de um livro de não ficção e fotografar o progresso diariamente. Tudo isso por 75 dias consecutivos. Adendo: se o participante deixar de cumprir pelo menos uma das tarefas diárias, terá que recomeçar a contagem do zero, independente de qual dia do programa estiver.
Já a versão soft, que viralizou através do tiktoker Stephen Gallagher, estabelece expectativas um pouco mais flexíveis: comer bem e consumir álcool apenas socialmente, treinar todos os dias por 45 minutos com um dia da semana de descanso ativo (como uma caminhada ou passeio de bicicleta), beber três litros de água e ler 10 páginas de um livro.
Tendo essas informações em mente e motivada pelos mais de 500 mil conteúdos relacionados às hashtags #75hardchallenge e #75softchallenge no TikTok, decidi embarcar no desafio que prometia mudar minha vida.
Antes de começar, precisei determinar qual das duas versões encararia. Aqui, a tarefa foi fácil. Afinal, com uma rotina de trabalho intensa e uma vida social balanceada, a ideia de ter que treinar duas vezes por dia, sendo uma delas ao ar livre (na terra da garoa!), não me parecia factível.
O “75 Challenge” promete transformar vidas com novos hábitos em 75 dias, mas é preciso adaptar as regras à sua realidade
Então, iniciei. Comprometida a me alimentar de forma saudável, treinar todos os dias, me hidratar e fortalecer o hábito da leitura já presente na minha rotina.
Ao longo dos 75 dias — ou melhor, já nas duas primeiras semanas —, entendi que o que estava em jogo ali, ao menos para mim, era dar um chacoalhão na minha disciplina e sentir a satisfação dos resultados que só a constância pode fazer pela nossa autoestima e senso de autovalor.
Fui 100% o tempo todo? Longe disso. No meio do caminho, tive uma viagem de despedida de solteira da minha irmã, o casamento dela e de uma prima querida. Momentos que precisavam ser celebrados e não podiam esperar o meu desafio passar — como dizer não para um bem-casado? Aliás, preciso dizer não?
Os treinos também tiveram que passar pela peneira da flexibilidade. Prazos importantes no trabalho existem, assim como imprevistos familiares, uma gripe inesperada ou uma crise de ansiedade que se instala sem aviso prévio também.
As outras duas metas, os três litros de água diários e as 10 páginas de leitura, foram fáceis. Elas já faziam parte da minha rotina.
A versão hard do desafio pode ser muito exigente para quem tem uma rotina intensa; a versão soft oferece um equilíbrio maior
Findada a minha maratona pessoal de 75 dias, não sem obstáculos ou pausas para descanso, o sentimento é de ter dado um pontapé inicial para incorporar qualquer outro hábito que faça sentido para mim – o próximo é estudar, regularmente, sobre investimentos. No entanto, me preocupa uma abordagem baseada em regras tão rígidas, particularmente em relação à comida, álcool e exercícios. Se encarado pela ótica do “tudo ou nada”, o desafio pode criar sentimentos de fracasso àqueles que não o seguem à risca. Isso é particularmente perigoso para mulheres que já têm um histórico de relação difícil com a comida, por exemplo.
Além disso, embora o programa promova nutrição de qualidade, redução de álcool, regularidade nos exercícios físicos, aumento da hidratação e momentos de descanso enquanto lê, ele não ensina sobre a ciência da alimentação saudável e intuitiva ou como ouvir nosso corpo e entender nossos ciclos. Também não cobre as nuances da vida — quem consegue viver 75 dias iguaizinhos, do começo ao fim? — e pode levar à sobrecarga em momentos em que se precisa de um simples descanso.
No final, o meu balanço pessoal foi positivo, ainda que com falhas. Mas, se você pretende se desafiar, recomendo que, antes, analise sua vida, rotina, emprego, próximos compromissos e metas de curto prazo. Exemplifico: no TikTok, me deparei com uma professora que observou que ela só tem um determinado número de pausas para ir ao banheiro durante o dia, o que faz da meta de ingestão de água simplesmente impossível.
Hoje, depois do boom dos dois desafios, existem até aqueles internautas que criaram suas próprias versões, incorporando regras que fazem sentido para eles, como sessões de journaling (a escrita de diários) ou meditação, estudo de línguas e instrumentos musicais. Afinal, apesar de na era digital parecer que todos cultivam o mesmo objetivo, que dependendo do momento pode variar entre low carb, beach tennis e corrida, na verdade, somos muito mais plurais que isso. Ainda bem!
{Fotos: Anna Nekrashevich e Darina Belonogova / Pexels}
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