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Dermatologia íntima: saúde feminina e a quebra de tabus

05/08/24
Dermatologia íntima: saúde feminina e a quebra de tabus

Foi em uma reunião de pauta que a Vic sugeriu o tema da dermatologia íntima. Confesso que era um assunto totalmente novo para mim. E já na primeira entrevista, descobri que essa especialidade trata de questões extremamente comuns para nós mulheres, muitas das quais haviam afetado uma tia, uma amiga, uma conhecida. Mas por que, ainda assim, é ainda tão difícil falar da fisiologia feminina e buscar soluções para desconfortos sentidos em silêncio? 

Queixas como incontinência urinária, falta de sensibilidade e tônus, secura e fissuras vaginais, vaginismo (contração involuntária dos músculos que causa dor), fimose de clitóris (quando há a junção dos pequenos lábios vaginais) são alguns dos tratamentos realizados em consultório por dermatologistas especializados em sexualidade.

Conversei com uma das principais autoridades médicas do Brasil neste segmento, o Dr. Luiz Perez (@drluizperez_espacomira), dermatologista com formação e especialização em sexualidade humana pela USP, conhecido por ministrar cursos sobre o tema. Ele entende que essa é ainda uma área nebulosa: de um lado estão os pacientes que não sabem tudo o que se pode fazer num consultório dermatológico pela saúde feminina; do outro, médicos que não se especializam. “Esse campo é uma interseção das especialidades, onde os dermatologistas vieram com os recursos tecnológicos usados em outras áreas do corpo e face e os ginecologistas com o domínio da fisiologia. A paciente deve procurar um profissional com experiência na área, o que vai além de sua formação básica”, declara.

Tratamentos funcionais

Na parte funcional estão os tratamentos com o uso de lasers e radiofrequência, que auxiliam na melhora da incontinência urinária (de esforço ou de urgência, quando a pessoa sente uma vontade de ir no banheiro muito frequente), secura vaginal (comum na menopausa, no pós parto e durante tratamentos quimioterápicos), sensibilidade e tônus vaginal. 

Há também a cadeira de estimulação eletromagnética, que induz contrações involuntárias do assoalho pélvico, “A paciente fica menos de meia hora sentada nessa cadeira e recebe mais de 11 mil contrações induzidas por um campo eletromagnético. E são supralimiares, ou seja, são contrações mais fortes do que o cérebro é capaz de promover, então com isso temos um ganho muito grande de tônus, que vai não só melhorar a qualidade da vida sexual, mas principalmente melhorar sintomas urinários”.

A artista plástica e numeróloga Ana Lúcia Soares, de 61 anos, procurou um dermatologista por alguns desses motivos. “Eu comecei a ter secura vaginal e também escapes de xixi ao fazer exercícios de alto impacto, o que começou a me incomodar. Me foi recomendado algumas sessões de laser e me surpreendi, nunca imaginei que pudesse ter uma solução tão simples na dermato”, conta. 

Nos casos cirúrgicos, Luiz cita que, quando a paciente tem os pequenos lábios protusos, com desconforto ao usar biquíni ou ao andar de bicicleta, por exemplo, é  recomendada a labioplastia. “Muitas mulheres chegam ao consultório com essa queixa, mas sem parâmetro do que é a normalidade, aí eu explico e declino. Mas quando realmente tem indicação, é feita correção desses lábios, mas sempre lembrando que a função deles é proteger os demais órgãos genitais externos”, afirma. 

“Esse campo é uma interseção das especialidades, onde os dermatologistas vieram com os recursos tecnológicos usados em outras áreas do corpo e face e os ginecologistas com o domínio da fisiologia”

Outra queixa comum é a fimose feminina, ou sinéquia vaginal, que ocorre quando há a junção dos pequenos lábios cobrindo o clítoris, o que pode dificultar que a mulher tenha orgasmos durante a relação sexual. Foi o caso da conteudista Fernanda Bueno, que descobriu que tinha a condição aos 42 anos de idade. “Eu sempre achei que tinha algum problema em relação a sentir prazer, que era uma questão anatômica. Assim que ouvi falar sobre a fimose feminina fui me examinar, me olhar mesmo, marquei uma consulta para avaliar e fui diagnosticada com o grau 1”, conta. A condição apresenta graus diferentes, variando de um a cinco. 

Fernanda fez o procedimento para a exposição do clítoris em consultório. “Foi rápido e sem corte, mas a tendência é que o corpo volte a ‘colar’, então é preciso fazer uma massagem no local com vaselina por 15 dias para evitar isso até cicatrizar. Foi algo relativamente simples, mas os ganhos foram enormes para mim”.

Tratamentos estéticos 

Na parte da estética íntima, o dermatologista cita os dois procedimentos mais comuns: o clareamento, que é feito com laser específico e peelings; e a combinação de bioestimulador e preenchimento para a flacidez da vulva. Luiz faz questão de frisar que muitas vezes contra indica procedimentos estéticos, a não ser que seja uma queixa muito importante da paciente. “Tratamento estético íntimo é uma questão bastante delicada. Menos de 5% do que eu faço em consultório é relacionado a estética, eu nunca sugiro para a paciente, e reforço quando dou aulas para os outros médicos que eles não devem sugerir também, pois é algo muito diferente de um tratamento facial, no qual podemos discutir o que é melhor. Aqui, se trata de uma decisão pessoal da paciente”, afirma.

Tabu 

Ana Lúcia lembra que os tratamentos íntimos ainda não são falados de maneira aberta. “Ainda existe muito tabu ao falar desse assunto, que deveria ser mais conhecido pelas mulheres. À medida que vou conversando com amigas que estão na menopausa, vejo que a maioria tem essas reclamações, mas não sabem que tem solução – e que ela, na maioria das vezes, é simples”, diz a numeróloga. 

Para Fernanda, o problema é que as mulheres crescem sem conhecer a própria anatomia. “Eu converso com pessoas muito politizadas, esclarecidas, estudadas, feministas, e eu digo: gente, nós não sabemos de nada, nós não nos conhecemos. É comum dizer que os homens não sabem onde fica o clitóris, mas você sabe? Tem certeza? Você consegue pegar um espelho, se olhar, se avaliar? Temos esses passos a dar e precisamos quebrar esses tabus conosco primeiramente. Esse contato íntimo consigo mesma ainda está muito falho. Precisamos buscar informação e continuar levantando nossas plaquinhas, mas com propriedade”, declara.

“Vejo que a maioria das minhas amigas tem essas reclamações, mas não sabem que tem solução – e que ela, na maioria das vezes, é simples”

Preços

Os tratamentos ainda estão longe de serem acessíveis, as sessões de laser costumam variar entre R$900 e R$2,5 mil cada. Ana Lúcia conta que pesquisou bastante antes de fazer o procedimento de R$1,5 mil. “É um tratamento caro e o plano de saúde não cobre. Por isso, gostaria que houvesse conscientização e o apoio dos planos, porque isso é saúde física feminina, não é apenas uma questão de vida sexual e prazer”, manifesta. 

Benefícios 

Tanto Ana quanto Fernanda relatam melhoras significativas na qualidade de vida e sexual. “Já fiz duas sessões de laser e vejo uma melhora nítida na lubrificação, está bem diferente de antes”, conta Ana Lúcia. 

Para Fernanda, a experiência foi além do físico. “Mexeu com meu emocional, foi um procedimento muito simples para o tamanho da mudança. O nosso corpo é negligenciado, nos acostumamos a sentir dor, a não ter isso ou aquilo. Então quando a gente descobre uma potência em si, é transformador. Eu passei para outra fase agora, estou com sintomas da pré-menopausa e estou vendo laser e botox para ajudar na lubrificação, não só para a questão do sexo, mas para a hidratação do dia a dia, para não ter fissuras e incômodo”, diz. 

Luiz também relata ganhos com a saúde de pacientes. “Recentemente, tive uma paciente que sofria de incontinência urinária de esforço e infecções urinárias recorrentes, ao ponto de ser hospitalizada várias vezes. Combinando tratamentos de radiofrequência, laser e o uso da cadeira, conseguimos resolver não apenas a incontinência, mas também eliminar as crises de infecção. Outra paciente, que após o parto começou a sentir dor durante as relações sexuais e uma ardência intensa, estava tentando restabelecer seu relacionamento após a gestação e sofria muito. Com apenas uma sessão de toxina botulínica, conseguimos reverter o quadro em menos de dez dias”, conta o médico. 

O médico deixa um recado para as mulheres com alguma queixa íntima: “para as pacientes com preocupações estéticas, procurem um bom profissional, que tenha bom senso para indicar um procedimento adequado ou para simplesmente mostrar que está tudo dentro da normalidade e que não há motivo para preocupação. Quanto aos tratamentos funcionais, sou suspeito para falar, já que isso é uma das coisas que mais me motiva a acordar todos os dias e ir ao consultório. Eu digo às pacientes que não é normal sentir dor. Podemos e devemos reverter qualquer sintoma relacionado à qualidade de vida sexual”, finaliza. 

{Foto: Anna Shvets e Darina Belonogova / Pexels}

Comentários

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One reply on “Dermatologia íntima: saúde feminina e a quebra de tabus”

Que matéria maravilhosa, tão importante! Não sabia de nada disso, nunca ouvi falar sobre. Obrigada pelo cuidado e conteúdo precioso sempre, gente 🤍

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