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Não tenho mais idade para isso

16/02/23

Cris Pàz é colunista do Dia de Beauté, onde publica mensalmente sobre beleza e longevidade.

Ainda me impressiona, por mais corriqueiro que seja, ler uma manchete sobre alguma personalidade onde o envelhecimento está no centro da pauta. Se o entrevistado é homem, o tempo deixa de ser uma questão. Parece que os homens vivem, enquanto as mulheres envelhecem. Não bastassem as transformações pelas quais passa o nosso corpo, a mídia também não nos deixa esquecer: o tempo não para.

Confesso que me assustei quando, sem planejar, percebi que esse poderia se tornar “o meu tema”. O que (ainda) me incomoda não é falar sobre isso, e sim colocar o envelhecimento como minha atividade principal. Ora, faço inúmeras coisas enquanto envelheço – viver é uma delas. Já imaginou perguntar a um adolescente o que ele tem a dizer sobre a puberdade?

Tão indigesto quanto fazer da idade o único assunto são manchetes de moda do tipo: “Provocante aos 20, sensual aos 30, clássica aos 40, charmosa aos 50, elegante aos 60”. Já faz tempo que caíram esses muros entre as faixas etárias, sabemos bem que a idade está longe de determinar o nosso jeito de vestir e de ser. Mas a sociedade insiste em tentar nos ditar regras, trazendo à tona o machismo e o idadismo estruturais, além de uma tremenda desatualização sobre a longevidade como ela acontece hoje.

A moda é apenas uma das vertentes em que o mundo tenta nos formatar. Ser mulher é ouvir, desde cedo, uma lista inacabável do que devemos ou não fazer. Não faltam pessoas (grande parte delas, mulheres), comentários e matérias dizendo, literal ou indiretamente: “você não tem mais idade para isso”.

Acontece que amadurecer tem suas vantagens, e uma delas é aprender a adaptar esses mandamentos ao nosso bel-prazer – com bom-humor e bom português. Uma coisa é alguém me dizer que não tenho mais idade para isso ou aquilo. Outra bem diferente é eu mesma dizerNão tenho mais idade pra isso”. 

Está aí uma frase absolvida pela primeira pessoa. Se dita por uma terceira pessoa na tentativa de falar de mim, essa frase é um verdadeiro insulto. Quem é o outro para colocar a minha idade como limite para meus sonhos e desejos? Tenho idade suficiente para me conhecer e saber para que aventuras me habilito. E acho fundamental escolher o que não quero mais para minha vida depois de determinada idade. Conquistei certezas que são como passos. Mais de 50 anos de vida não podem ter sido em vão. Aprendi que viver é uma triagem, é tirar excessos, escolher e selecionar. Um exercício minimalista, uma lapidação. É preciso viver muitos anos para atingir a sabedoria das escolhas. Porque escolher é perder. E perder é verbo que se repete na vida, por maior que seja a nossa dificuldade em admiti-lo. Envelhecer é, sim, perder. E algumas dessas perdas – apenas algumas – podem ser escolhidas. Que sejam bem escolhidas, então.

Ter menos tempo pela frente é um incentivo e tanto para se concentrar em fazer o melhor desse tempo. 

Existem muitas coisas que não quero mais na minha idade.

– Não tenho mais idade para dar satisfação pra ninguém. 

– Não tenho mais idade para usar roupas confortáveis para quem vê, mas insuportáveis para quem veste. 

– Não tenho mais idade para me demorar onde não for devidamente amada. 

– Não tenho mais idade para não namorar alguém bem mais jovem.

– Não tenho mais idade para que alguém me diga o que posso ou devo fazer na minha idade. 

– Não tenho mais idade pra perguntar se tenho idade pra usar essa roupa, muito menos para não usar essa roupa. 

– Não tenho mais idade pra me preocupar com a idade que tenho ou com a idade que você pensa que tenho. 

– Não tenho mais idade pra me preocupar com a opinião dos outros ou com a imagem (provavelmente equivocada) que fazem de mim. 

– Não tenho mais idade para ter pressa, nem para levar tudo a ferro e fogo. 

Não tenho mais idade para não fazer o que bem entender.

Não tenho mais idade para não ser dona do agora.

– Não tenho mais idade para não ser livre.

Ter menos tempo pela frente é um incentivo e tanto para se concentrar em fazer o melhor desse tempo. Por isso faz tanto sentido a frase “a vida começa aos 40”. Só depois dos 40 eu finalmente compreendi o que não queria mais e comecei a me aprontar para viver de acordo com minhas escolhas – já vou avisando, pode demorar. Mas vale a pena.

Sinto como se estivesse abrindo uma gaveta antiga e vendo inúmeros objetos dos quais eu não me lembrava. Tento refazer o caminho de cada coisa até aquele compartimento. Algumas trazem os desenhos de suas linhas do tempo até ali, impressos em suas cores e texturas, quase como confissões. De outros objetos preciso adivinhar a origem. Não me parecem escolhidos por mim. Perdi a memória? Me perdi da minha memória? Concluo, depois de algum tempo e já recolhendo as tralhas que não cabem mais ali: nunca foram meus esses vestígios que deram um jeito de se aboletar ali. 

Acho que envelhecer é isso: arrumar as gavetas, torná-las finalmente suas. Aproprio-me da história que faz sentido, como quem recolhe as migalhas que sinalizavam o caminho de volta. O que é realmente meu? O que me é próprio? Que histórias eu mesma pari, que desejos nasceram de mim, e não de quem estava no meu entorno durante todo esse tempo? Posso até não saber responder ainda. Mas não tenho mais idade para me culpar por isso.

Cris Pàz é colunista do Dia de Beauté, onde publica mensalmente sobre beleza e longevidade. Publicitária premiada e escritora com oito livros publicados, ela nasceu em 1970 e é uma das precursoras da produção de conteúdo digital no Brasil. Colunista da rádio BandNews FM de BH, comanda o podcast 50 Crises (entre os destaques de 2020 no Spotify Brasil) e traz novos olhares sobre saúde mental, protagonismo feminino, maternidade, moda e longevidade por meio de suas redes e palestras.

{Fotos: reprodução Cottonbro Studio e SHVETS  / Pexels}

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