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Beleza nômade: uma reflexão sobre a beleza o tempo

18/01/23

Cris Pàz é colunista do Dia de Beauté, onde publica mensalmente sobre beleza e longevidade.

Um boato que roda a internet conta que certa vez Charles Chaplin teria participado de um concurso de “sósias de Charles Chaplin” – e teria ficado em terceiro lugar. A história é falsa, mas me lembrei dela dias atrás, quando, passeando pelo Instagram, deparei com o perfil de uma conhecida e imaginei que a página dela tivesse sido hackeada. As imagens pareciam ser de alguém tentando se passar por ela. Foi preciso algum tempo (e uma postagem dela com os filhos), para comprovar que ela continuava usando o perfil. Poucos anos mais jovem que eu, essa minha conhecida sempre foi muito bonita. Continua sendo uma mulher linda, mas eu não a reconheceria na rua. Nas fotos atuais ela não só está mais magra como aparenta ser bem mais jovem do que quando a conheci. Os posts recentes exibem um corpo escultural de biquíni, em paisagens paradisíacas como num editorial de revista. A impressão é a de que, no caso dela, os ponteiros do relógio rodaram no sentido contrário. Nem sei se ela mesma se reconhece, até suas expressões estão diferentes nas fotos.

O foco aqui não é o que essa mulher escolheu fazer com sua aparência, nem mesmo demonizar os tratamentos estéticos. O que me interessa é discutir sobre como lidamos com a passagem do tempo, como fica a nossa relação com a beleza à medida que a idade avança. Por mais modernos que estejam os tratamentos estéticos, ainda não inventaram uma forma de deter o tempo. Podemos adiar, mas não evitar o nosso confronto com ele. Como será essa hora da verdade para quem vive escondido sob uma aparência que um dia, inevitavelmente, deixará de ser perfeita? A que custo emocional isso se dará?

Em um mundo obcecado pela imagem, vem se avolumando, com a ajuda das redes sociais, uma fobia de envelhecer que já ganhou até nome, e bem feio: gerascofobia. Pessoas “gerascofóbicas” seriam aquelas que, antes mesmo da chegada de sinais claros do envelhecimento, já estão aterrorizadas por essa possibilidade. O transtorno pode se manifestar depois dos 30 anos, quando as primeiras marcas do tempo se mostram. Fazer aniversário pode se tornar gatilho para uma depressão, cabelos brancos se tornam motivo para mais cabelos brancos. São pessoas que temem e se angustiam, mais do que o habitual, diante do inevitável. Têm medo da vida, do curso natural da vida. Isso é bem mais sério e preocupante do que o envelhecimento.

Em meu livro “Moda Intuitiva” apresento uma tese brincalhona, elaborada de maneira empírica e bem-humorada (não sem base em alguma verdade), que chamo de “teoria da justiça da natureza”. Falo do perigo em apoiar-se na beleza física como um pilar, já que ela inevitavelmente vai ruir com o tempo. Salvo exceções, mulheres consideradas bonitas desde cedo costumam se apoiar nessa imagem de beleza, e assim enfrentam maior dificuldade no avançar do calendário. Já a mulher que não se identifica com o adjetivo aprende a acrescentar novos ingredientes à construção de uma identidade interessante: charme, inteligência, bom gosto, presença, simpatia e o que mais ela puder descobrir. O que não faltam são exemplos de pessoas que usam (e muito bem) esses ingredientes que, diga-se de passagem, estão à disposição de todas, independentemente de suas características físicas.

Os procedimentos estéticos são um perigo se encarados como recursos capazes de impedir a velhice de acontecer. A ameaça não está nos avanços à disposição de quem tem acesso a eles, mas na falta de um alicerce psíquico que pode resultar num sério transtorno de imagem: passar a acreditar na idade que se consegue imprimir. Fazer aniversário passa a ser um contato indesejado com a realidade e o autoengano é escolhido como escudo. A realidade sempre vem, e é preciso estar em chão firme para não cair.

A ameaça não está nos procedimentos estéticos, mas na falta de um alicerce psíquico que pode resultar num sério transtorno de imagem. 

Concordo que a beleza é, sim, um pilar em nossas vidas. Não queremos abrir mão dela. Nem precisamos. É possível realocá-la, aceitar que o belo não necessariamente permanecerá em nós – na pele, no viço, nos olhos, nos músculos. Ele pode estar em muitos lugares. Amadurecer é compreender de maneira mais ampla o significado do belo. Descobrir que ele não apenas se transforma com o tempo, ele é nômade. E se muda da pele para os olhos, de fora para dentro, do que se mostra para o que se vê. Quando faço as pazes com a condição inevitável de degradação do meu corpo, visto que sou mortal, foco não apenas no “infinito enquanto dure”. Busco infinitos em mim, fora de mim, no meu entorno.

Comigo tem sido assim. Sinto-me mais feliz, mesmo vendo meu corpo se transformar dia a dia. Não é fácil nem banal, é um desafio para o ego. Mas é parte do jogo. E pode ser um processo bonito. A decadência (inevitável) trazida pelo tempo tem sido um aprendizado valioso: o de estabelecer uma relação saudável com o tempo, cultivando a beleza onde quer que ela se encontre. Num poema que faz calar fundo, numa história de tirar o fôlego, num gesto simples que faz um momento crescer em significado.

Meus mais recentes suspiros de beleza são para o trabalho do fotógrafo sueco Jonas Peterson, radicado em Austin, no Texas. Ele fez uma série chamada “Youth is wasted on the young” (em tradução livre, “a juventude é desperdiçada nos jovens”), trazendo imagens incríveis de pessoas idosas vestidas com muitas cores, acessórios e detalhes, num trabalho que mistura registros fotográficos e manipulação de imagem. Propositalmente, ele “estica” as imagens das pessoas, deixando-as mais alongadas e bem magras, como Modigliani fazia em suas pinturas. O resultado são quadros modernos e absolutamente coloridos.

Nessa busca por infinitos estéticos, o vestir é uma linda oportunidade. É maravilhoso saber que preciso vestir alguma coisa antes de sair de casa, é um convite diário a “brincar de boneca” comigo mesma. Adoro o poder da roupa para me fazer trocar de pele, me ver diferente a cada nova produção. Diferente e absolutamente eu mesma. Vestir é meu gesto diário de colorir a alma.

Se uma das funções da roupa é ajudar a nos apresentar para o mundo, mais importante ela se torna à medida que o tempo passa. E melhores nos tornamos na brincadeira de vestir, já que estamos mais à frente em autoconhecimento. A maturidade é uma grande professora de estilo.

Um dos meus maiores ícones – de moda e de envelhecimento – é Iris Apfel, a decoradora de Nova York que já passou dos 100 anos e se um tornou ícone de moda. Iris nunca foi uma mulher bonita e faz questão de declarar isso. Seu foco é ser “interessada, mais do que interessante”, é o que costuma dizer. Não por acaso, suas imagens são cada vez mais bonitas. Cheias de cores e formas, cada vez mais apuradas, imprimem suas referências de mundo, de arte e design. Iris se veste do que vê, do que sente, do que toca sua alma. Sua roupa é sua vida, seu repertório, o que viu e ficou. Está tudo ali, lindamente impresso. Nada pode ser mais sublime: tornar-se, em si mesma, uma obra de arte. Não é isso que a vida quer da gente?

Cris Pàz é colunista do Dia de Beauté, onde publica mensalmente sobre beleza e longevidade. Publicitária premiada e escritora com oito livros publicados, ela nasceu em 1970 e é uma das precursoras da produção de conteúdo digital no Brasil. Colunista da rádio BandNews FM de BH, comanda o podcast 50 Crises (entre os destaques de 2020 no Spotify Brasil) e traz novos olhares sobre saúde mental, protagonismo feminino, maternidade, moda e longevidade por meio de suas redes e palestras.

{Foto: Polina Tankilevitch / Pexels}

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One reply on “Beleza nômade: uma reflexão sobre a beleza o tempo”

Sensata e oportuna reflexão. Receber a transformação nos faz viver a experiência da velhice com dignidade e requinte necessário.

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