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Filtros nas redes sociais: quem cai nessa armadilha?

17/08/22

Cris Pàz é colunista do Dia de Beauté, onde publica mensalmente sobre beleza e longevidade.

Eu realmente considero um gesto delicado da natureza nos presentear com a vista cansada à medida que vamos ganhando mais rugas. É uma espécie de ajuste de foco o que costuma acontecer no envelhecimento: a vista embaça para muitos detalhes, mas nosso olhar se torna mais apurado para o que importa.

A própria expressão “vista cansada” define de maneira bem mais poética o que os oftalmologistas preferem chamar de presbiopia: depois de ver tantas coisas (boas e ruins), de experimentar uma infinidade de erros e nem tantos acertos, o cansaço funciona como uma preciosa curadoria. A gente definitivamente não topa qualquer coisa.

É claro que isso não acontece com todo mundo, nem de maneira uniforme. Até porque, no meio do caminho, há curvas, placas e falsos atalhos para nos enganar.

Nunca gostei de tratamentos de imagens ou filtros que me deixem diferente daquilo que sou. Aprecio um ou outro ajuste de luz, mas nada que deixe reto o nariz torto que me faz ser quem sou. Para aprender a apreciar minha imagem genuína, nem precisei da vista cansada.

Perfeição é um horizonte para se ter em perspectiva, e não para a gente “chegar lá”.

Tenho visto matérias e postagens sobre o excesso de filtros e retoques em fotos postadas nas redes. Estou no Instagram há mais de uma década, cansada de deparar com fotos excessivamente manipuladas, e sempre fico me perguntando: de que vale esse disfarce todo, se o momento de encarar o espelho é um confronto inevitável.

Soube recentemente que existe até uma espécie de “clipe” para puxar a pele para trás, simulando uma aparência lisa e firme nas fotografias. Qual será o efeito real disso tudo? É possível uma mulher enganar a si mesma ou o recurso funciona como um paliativo que apenas adia o enfrentamento da realidade? Falo no feminino porque reconheço que nós, mulheres, somos nossos maiores algozes, bem como nossas maiores vítimas. São vidas inteiras submetidas à exigência externa e à nossa própria mania de perfeição.

A verdade é que as mulheres acabam, sim, enganando a si mesmas. E aí mora a pior armadilha: acreditar em uma história falsa e correr o risco constante de um dia levar um susto com a realidade que se passou a vida evitando. Não seria melhor aceitar o tempo e o envelhecimento de maneira gradual, e ir se habituando a ele? Para mim o cabelo branco teve também essa função: ir me habituando aos poucos à imagem da mulher madura que estou me tornando, com direito a achar bonito também – por que não?

Não sei se é sorte ou excesso de otimismo, mas de fato prefiro rugas àquela aparência de excessivos procedimentos. Aprendi a me entender com a realidade, com as dores e incômodos que ela me traz, e também com seus encantos, em lugar da insistência infantil em uma perfeição que não existe. Perfeição é um horizonte para se ter em perspectiva, e não para a gente “chegar lá”. Essa é a minha visão, claro, coerente com a maneira como lidei com minhas imperfeições desde adolescente. Talvez a minha presbiopia esteja me ajudando ainda mais agora, embaçando minha autoimagem para que ela fique em segundo plano. Sei que não tenho mais 30 ou 40 e vou bem, obrigada. Estou mais interessada em viver bem o precioso tempo que me resta, mesmo sem ter o poder de mensurá-lo.

No Instagram, fico me perguntando: de que vale esse disfarce todo, se encarar o espelho é um confronto inevitável?

Devo admitir que chego a ser implicante nesse quesito, mas tenho aflição da maior parte dos filtros disponíveis nas redes sociais. Ver a imagem de alguém que abusa deles me traz um incômodo que não sei explicar. Parece alguém que se recusa a ser gente de verdade. Usá-los me faria sentir uma espécie de desconexão de mim mesma. Ao mirar o ideal, aquela imagem vai na direção contrária, se afasta de mim e me deixa para trás, invisível.

No século XVI, o filósofo francês Michel de Montaigne escreveu que os animais podem ser exemplos de vida para os homens. Investigador de si mesmo, Montaigne considerava que os animais podem nos ajudar a lidar com o nosso físico de maneira mais natural. Basta observar um cachorro espreguiçando ou deitado de barriga pra cima em pleno sol. Não se nota atenção narcísica para alguma eventual “imperfeição”. Perfeito, para o bicho, é simplesmente existir. Assim a filosofia sopra aos meus ouvidos o verdadeiro conceito de beleza: esse bem estar de existir sem se debater tanto, numa postura serena de quem aceita e contempla.

A cultura do filtro me parece um caminho sem volta. Tudo sempre parecerá inacabado e insuficiente. Essa fobia da finitude, do fato de que vamos sucumbindo ao tempo, é uma espécie de negacionismo que grita como um alerta. A vida caminha para a vulnerabilidade e, não tem jeito, ela se extingue. A consciência da imperfeição intrínseca à nossa existência é a noção de que somos finitos e, vamos ser sinceros, descartáveis também.

Mas, o que filtros, retoques e disfarces nos trazem, senão um meio mais rápido de nos descartarmos de nós mesmos?

Cris Pàz é colunista do Dia de Beauté, onde publica mensalmente sobre beleza e longevidade. Publicitária premiada e escritora com oito livros publicados, ela nasceu em 1970 e é uma das precursoras da produção de conteúdo digital no Brasil. Colunista da rádio BandNews FM de BH, comanda o podcast 50 Crises (entre os destaques de 2020 no Spotify Brasil) e traz novos olhares sobre saúde mental, protagonismo feminino, maternidade, moda e longevidade por meio de suas redes e palestras.

{Foto: Sora Shimazaki / Pexels}

Comentários

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2 replies on “Filtros nas redes sociais: quem cai nessa armadilha?”

Cris, você arrasou nesse post/matéria. A frase “Parece alguém que se recusa a ser gente de verdade” define exatamente o que penso de filtros, retoques e toda essa superficialidade fotográfica (que não possui intenção artística) que a gente está vendo cada dia mais nas redes sociais. Eu fiz um post no meu blog sobre a Fotografia e a Libertação dos Presets onde conto sobre a minha visão em relação a usar presets e o fato daquilo te tornar igual a todo mundo, com o feed harmônico igual e a quebra de identidade. Além de claro, a maior parte dos presets serem EXTREMAMENTE EDITADOS E MEXIDOS pra alterar cor de pele, do fundo, da roupa e trazer imagens das quais não são reais. E claro, muitos deles deixarem a pele tão lisinha que parece mais uma textura de porcela do que humana. Enfim, queria dizer que amei esse texto. <3

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