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Por que insistimos na dualidade entre velhice e juventude?

12/04/22

Cris Pàz é colunista do Dia de Beauté, onde publica mensalmente sobre beleza e longevidade.

Não sei quando foi que meu corpo decidiu envelhecer, porque ele fez isso de forma discreta, quase elegante. Envelheci à francesa. E de repente minha cabeça se deu conta do que estava acontecendo. Não pude evitar a sensação de ser apunhalada pelas costas. O corpo se aproveitou da minha distração, eu estava ocupada demais fazendo coisas interessantes. Quando olhei para a janela, já era noite. 

Mas quem disse que a noite não pode ser boa?

Aos 20 anos eu achava que aos 30 estaria casada e com filhos. Casei aos 31, me separei aos 34, me tornei mãe aos 36. Tanta coisa aconteceu até os 40, que nem deu tempo de pensar em crise. Posso dizer que para mim a vida começou mesmo aos 40: foi quando comecei a entender melhor o que eu queria dela. Aos 46, foi um susto perceber que estava chegando aos 50. Tem algo errado, pensei, eu não me sinto com essa idade. E o que seria essa idade?

Fomos levados a pensar que o envelhecimento é um evento com data marcada. E como não se trata de um assunto, digamos, empolgante, tudo o que fazemos é adiá-lo ao máximo — quem sabe assim ele desiste de acontecer. Como se enquanto isso ele já não estivesse em curso.

Eu era jovem, fiquei velha. Foi isso mesmo? Quando é que acontece esse ritual de passagem?

Por que insistimos nessa dualidade entre velhice e juventude? Existe mesmo um limiar entre essas duas palavras?

(Sim, este texto tem mais perguntas que certezas.)

Coloquei a interrogação para a minha dermatologista, dra. Ligia Colucci, e cheguei a um dado que esclarece por que tendemos a localizar o envelhecimento numa data específica. A partir dos 20 anos, a mulher perde 1% de colágeno a cada doze meses de vida. Parece suave, até que chega o climatério: nos primeiros 5 anos depois da menopausa, perdemos 30% desse colágeno que não voltamos a produzir. Está aí o marco que nos faz pensar que passamos de um grupo a outro.

Mas o envelhecimento é um processo contínuo, como respirar: está acontecendo desde que existimos. Não tem sentido o “fiquei velha” como fato consumado. Enquanto a vida segue, o tempo verbal é o gerúndio. Envelhecendo. Enquanto vivemos, nossa história vai ficando escrita na pele. A percepção acontece no instante em que nos olhamos no espelho e começamos a ler essas marcas.

A escritora Zélia Gattai tem uma frase que diz: “minhas rugas são mais de riso do que de pranto”. Gosto dessa perspectiva positiva da passagem do tempo, aquela que confessa que viveu muito. E como valeu a pena.

@colleen_heidemann

Vi outro dia nas redes sociais cenas de maquiagem da modelo Colleen Heidemann. Ninguém ali estava querendo disfarçar os 72 anos daquela belíssima mulher: o objetivo era realçar sua luz. Depois da make pronta, era impossível não ser capturado pelo seu olhar, que parecia nos contar sobre tudo o que já viu e viveu. Envelhecer bem é beber do tempo com gosto. E uma vida assim dispensa as palavras mais amenas. Como a maquiagem, as palavras não estão ali para esconder, e sim para deixar clara a beleza do que querem dizer. Envelhecer também é uma questão semântica.

Vale a pena investigar a linguagem e o que ela provoca em nós, e indagar se faz sentido esse esforço em rejuvenescer os termos. Cuidar da comunicação como cuidamos da pele, a fim de fazê-la mais viva, e não necessariamente mais jovem. 

Dizer que os 50 são os novos 30 é mais uma vez usar a juventude como medida de valor. Jovem não é elogio. Velho também não é xingamento. Não são palavras oponentes, mocinha e vilã. Sou velha aos 50, se comparada a alguém de 40. E basta me juntar a quem tem 60 para eu seja jovem de novo. 

Envelhecer é ostentar momentos, vivências, aprendizado, histórias para contar. Construir uma bagagem de vida. A beleza de um diário de bordo não está no que não podemos ler, concorda? O bom tratamento estético não foi feito para nos tirar a idade, e sim para nos dar o melhor dela.

Vejo com olhos de poesia o envelhecimento dos que estão à minha volta. Aliás, já reparou como é mais fácil notar a ação do tempo no outro? A natureza não nos conta toda a verdade assim de pronto. Acredito na gentileza da vista cansada: olho no espelho sem óculos e não vejo minhas rugas de maneira tão explícita. Velho é o outro, eu penso. Mentira. O envelhecimento do outro fala sobre o meu. Por isso não faz sentido chamar alguém de velha como ofensa. Estamos todos sob a mira desse tempo que não para.

Envelhecer bem é beber do tempo com gosto. E uma vida assim dispensa as palavras mais amenas.

No ano passado, uma marca que eu amo me mandou de presente uma bela embalagem de xampu para cabelos grisalhos com o slogan “Juventude dos fios”. Não, o meu cabelo não está ficando mais novo, ele está envelhecendo, assim como eu. E é urgente deixar de ver isso como um problema. 

O tempo passa, independente da nossa escolha. Mas podemos decidir como nomeá-lo. Dispenso o termo “melhor idade”. Quando eu tiver 60, não quero ser idosa, quero ser velha mesmo. Se faltarem nomes, peça pelo número: minha idade não é segredo. 

Pensamento velho e velhas ideias podem ser melhor definidos como arraigados, desatualizados, que tal? Velho é quem vive há mais tempo, o que chegou antes, o que já teve tempo de aprender mais coisas (novas). Velha, provavelmente, é aquela pessoa mais sábia que você. Entusiasmado, vivaz, vital, atualizado não são adjetivos privilégios dos mais novos. Pessoas velhas podem ser tudo isso.

Não é a linguagem que precisa de tratamento, somos nós. A vida não é binária, não é boa ou má. A vida é grande, colorida e, diga-se de passagem, um privilégio.

Cris Pàz é colunista do Dia de Beauté, onde publica mensalmente sobre beleza e longevidade. Publicitária premiada e escritora com oito livros publicados, ela nasceu em 1970 e é uma das precursoras da produção de conteúdo digital no Brasil. Colunista da rádio BandNews FM de BH, comanda o podcast 50 Crises (entre os destaques de 2020 no Spotify Brasil) e traz novos olhares sobre saúde mental, protagonismo feminino, maternidade, moda e longevidade por meio de suas redes e palestras.

{Fotos: reprodução Polina Kovaleva e Cottonbro / Pexels e Instagram Foto @leyla.stefani / Modelo @colleen_heidemann / Beleza @eriq_moreno / Retouch @loveismyretouch}

Comentários

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3 replies on “Por que insistimos na dualidade entre velhice e juventude?”

Amei! Que coisa mais linda! Estamos sedentos de conteúdos maduros e serenos sobre esse tema. Ninguém aguenta mais ler sobre rejuvenescimento, se manter jovem etc

A vitalidade é compreensiva num passar de tempo. Todos entendem que os anos vão sem puder recupera-los. Passando o dia a dia vai notando que a vida é alongada pelos tempos idos. Uns atinge mais idade outros ficam de somenos. Mas a vida e a continuidade pertence a Deus.

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